Solidão
Estava conversando com meus amigos, todos eles grandes pensadores, muitos dos quais já falecidos.
– “Hoje eu acordei tão só, mais só do que eu merecia”, disse Oswaldo Montenegro.
– “Mas só Deus – que é único, que não tem par – poderia dizer o que é a solidão”, ensina Mário Quintana.
Entro na conversa: – terá sido, então, este o motivo pelo qual Deus nos criou? Sentia-se muito sozinho e criou-nos, à Sua imagem, para ter companhia? Porque, é forçoso admitir, nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos e possivelmente Ele é a nossa única companhia nessa jornada.
E nem temos discernimento pleno disso, porque Ele penetra na nossa consciência, sabe exatamente o que estamos pensando e o que iremos pensar, mas Sua própria consciência é inescrutável.
– Será, então, que Mário Quintana está errado e somos mais solitários que o próprio Deus?
William Shakespeare discorda claramente:
– Se você se sente só, é porque ergueu muros em vez de pontes.
Deus meu! Tu és testemunha de que eu tenho tentado – e muito – construir essas pontes de que fala Shakespeare, mas parece que os muros são intransponíveis. E nem mesmo sei quando foi que eu os construí. Nem como.
– Alguém sabe me dizer de que são feitos, esses muros?
Em tenra idade tomamos consciência de nós mesmos e começamos a perceber que podemos pensar e raciocinar; aprendemos até a prever algum comportamento dos outros, mas cedo descobrimos também que é impossível saber exatamente o que lhes vai no íntimo.
E logo nos damos conta que o mesmo ocorre conosco: ninguém sabe, a maior parte do tempo, o que estamos sentindo – a menos, claro, que deixemos transparecer. E a consequência dessa descoberta é que começamos a fazer o mesmo que os demais: escondemos nossos sentimentos e de todas as formas evitamos que alguém possa perceber o que nos vai por dentro.
Talvez seja aí, já na primeira infância, que começamos a construir os tais muros. E talvez por isso mesmo sejam tão altos, intransponíveis e lançam essa enorme sombra fria sobre nosso íntimo.
– “Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão”. É a conclusão a que chega Victor Hugo.
– “Educação para a vida deveria incluir aulas de solidão”, lamenta Mauro Santayanna.
De fato, a solidão é uma cama fria, onde o pensamento se agita com medo de adormecer, sonhar e virar saudade. Será, então, que esses muros são feitos de saudade? Pode ser…
Mas Martha Medeiros parece que discorda da minha conclusão e explica:
– Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Mário Quintana volta à conversa e acrescenta:
– A saudade que dói mais fundo – e irremediavelmente – é a saudade que temos de nós.
Johann Wolfgang von Goethe tenta aliviar a tensão:
– É certo, afinal de contas, que neste mundo nada nos torna necessários a não ser o amor.
– Somente através do amor e das amizades é que podemos criar a ilusão, durante um momento, de que não estamos sozinhos, assegura Orson Welles.
– Claro, digo eu, o amor pode superar tudo, talvez até a solidão…
Mas Fernando Pessoa me corrige:
– Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia, portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos)!!!
E Rainer Maria Rilke completa:
– Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante horas, é a isso que é preciso chegar.
Mas, Senhor, isso eu não consigo. Eu vou dentro de mim e sempre encontro alguém lá, não obstante a solidão que me devora. E amor, muito amor. E Tu bem o sabes, o amor só existe no coração da pessoa que ama.
Eu até tento sentir baixinho, para não despertar a atenção de ninguém. Mas me acontece o mesmo que ocorria com Ana Jácomo: “tentava sentir baixinho, mas o amor fala alto, mesmo quando silencia”.
– “Olha para mim, e tem piedade de mim, porque estou solitário e aflito”, cito, em voz alta, Salmos 25:16.
– “Caminhais em direção da solidão. Eu, não, eu tenho os livros”, diz Margherite Duras – e volta à sua leitura.
Antonio Maria tenta esclarecer:
– Solidão é quando o coração, se não está vazio, sobra lugar nele que não acaba mais.
Mas chega Augusto Cury e dá outra explicação:
– Quando somos abandonados pelo mundo, a solidão é superável; quando somos abandonados por nós mesmos, a solidão é quase incurável…
– Mas uma coisa não é consequência da outra? pergunto eu.
– Solidão só dá prazer na medida em que sabemos que ela é uma escolha. Solidão só dói quando é inevitável, diz Martha Medeiros, ao que me pareceu, respondendo a Rainer Rilke.
Resolvo intervir:
– Tudo bem, pessoal. Mas eu ainda continuo sem respostas!
Rainer Rilke retruca:
– Amor são duas solidões protegendo-se uma à outra.
– Em suma, todo o problema da vida é este: como romper a própria solidão, como comunicar-se com os outros, diz Cesare Pavese com seu forte sotaque italiano.
Gabriel García Marquez, do alto de seu prêmio Nobel de Literatura, destila toda sua experiência:
– O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.
Paul Valèry filosofa:
– Há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade.
Fernando Pessoa está impossível e replica:
– A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
Nisso chega Tom Jobim e praticamente encerra o debate:
– Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho.
Minutos depois um desconhecido aproxima-se dizendo que nunca estamos completamente sozinhos e cita Hebreus 13:5:
– “‘Ele mesmo disse: Não te deixarei, nem te desampararei’.”
Mas acho que ninguém o ouviu, estavam todos muito pensativos, completamente absortos. Sozinhos consigo mesmo.