Sobre a Origem de Zabra
Todos conhecemos um menino prodígio, seja no futebol, na música, em qualquer área. Você, que agora mesmo está pensando que jamais conheceu um gênio em carne e osso, se você pertence à turma de 70, eu posso lhe garantir que, sim, você conheceu ao menos um prodígio.
Um mistério que ronda qualquer conversa entre integrantes da turma é: quem se fez passar pelo Zanforlin no pelotão de presos certa noite infeliz (infeliz para ele, o aluno misterioso)? Parece que nem o Zanforlin sabe. Eu até me pergunto se o sargento Salvador não deu uma bobeada (Rá, Salvador, viu que vai cair, deita!) naquela noite de sábado e confundiu o Zanforlin com outro simpático aluno, afirmando incorretamente: “Meu nobre, você não é o Zanforlin”, quando era. Enfim, um mistério.
E como o Zanforlin parece gostar de mistérios, mudou-se para a selva amazônica, local ideal para o sujeito se transformar em lenda. “E quem foi o Zanforlin?” será a pergunta mais ouvida no encontro dos 70 anos de BQ. (Aliás, nesse encontro não haverá, segundo as previsões do Cohen, nenhum integrante da turma F . Sai pra lá, ave agourenta!) E a conversa será mais ou menos assim:
– Quem foi o Zanforlin?
– Hem?
– ZANFORLIN…quem foi?
– Ah não me lembro, ô, 451.
– Que 451, rapaz? Nós éramos apenas 200.
– Cento e cinquenta e oito! Com os quarenta e seis que entraram em Natal, em 1937, chegamos a duzentos e vinte e nove.
Mas isso são especulações sobre o porvir, área do Cohen, aquele oráculo macabro. A questão é sobre o passado e sem mistérios: de onde vem o termo zabra, e quem o apresentou à turma?
Aí é que entra o nosso menino prodígio.
Quem dedicava 99% de sua atividade cerebral a assuntos libidinosos, sacanagem, safadeza e áreas correlatas. Quem vivia cunhando termos como penético e apelidos como bu… diariamente? Quem deixava até um talento fulgurante como o Celestino boquiaberto, estupefato, zonzo, dizendo “Cacete, o Djair só pensa besteira…”? É, meu amigo, o Djair deixava o alto escalão da malandragem da turma F, Celestino e Noel, sem ação e sem palavras.
O Noel é pouco citado, mas, todas as vezes em que vejo o Zeca Pagodinho, lembro dele. Eu, que nunca fui chegado ao futebol, ouvi muitos colegas comentarem que ele batia uma bola e tanto, embora já naquela época ele cultivasse uma barriguinha suspeita. Também me lembro de que no retorno do licenciamento, quando os cariocas e niteroienses voltávamos naquele fretamento da Útil, saindo lá do armazém 18 do cais do porto, sempre que o Noel embarcava, ficava na plataforma uma garota se debulhando em lágrimas, quase um dilúvio. Aquilo chamou a atenção da garotada que logo descobriu o nome da moça, Ângela. E, toda as vezes em que o ônibus saía com o Noel a bordo, deixando para trás a garota chorosa entre os nossos familiares, alguém (geralmente o Celestino) dizia
– Po-orra, a Pirângela está atacada hoje. Ah, Noel, dê um jeito nessa menina, cara!
Repararam na intimidade do tratamento, né? Pois o Noel só ficava rindo, nem era com ele. Tempos depois eu soube que, já naquela época, ela era a esposa dele (ou o equivalente a, não importa), com quem tinha dois filhos. Um fenômeno!
Sem mencionar o Homero, cínico para cacete, capaz de emocionar o professor de português enquanto ele lia em voz alta um dos sermões do padre Vieira (não sssei se é o ssssal que não sssssalga, ou a Terrrrrra que não sssssse deixa ssssssalgar), só de molecagem com o Celestino. Mas o Homero era como o Rosa ou o Romão, malandro com todo o jeito de integrante de algum corpo diplomático. O oposto do Celestino e do Noel, malandros com jeito, voz, gestos de … malandros.
Pois em meio a tantos talentos (o caol da malandragem), o Djair se destacava na especialidade safadeza. Um dia ele apareceu com a história do zabra. Segundo ele, zabra é pênis em árabe (provavelmente, ele já havia pesquisado e sabia não só em árabe, mas em aramaico, sânscrito ou em qualquer dialeto perdido em tempos bíblicos). Como foi ele quem disse, eu nunca acreditei nisso. Até ontem.
Conversando com um colega árabe, me lembrei dessa palavra, zabra. Meio sem jeito (afinal, podia ser verdade), perguntei se essa é mesmo uma palavra árabe. O colega respondeu rindo que se refere ao órgão sexual masculino, mas em um nível “menos técnico”, e me perguntou, como seria em português. Demorei um pouco, pois sempre fui meio lerdo, e tentei pensar exatamente como o grande Djair. Depois de algum esforço, arrisquei:
– Piroca.
(publicado no e-Groups em 22-09-2014)