NOSSO RETORNO AO ESPAÇO

Artigo do Ten Brig Ar Franciscangelis

“O domínio da utilização do espaço é uma extensão natural da estratégia de um país”

Há vinte anos, as guerras eram vencidas segundo a capacidade e o tamanho das forças de combate. Hoje, isso não é mais uma verdade absoluta. Foi-se o tempo em que o uso do espaço exterior voltava-se tão somente para fins pacíficos, de exploração econômica e desenvolvimento de pesquisas científicas. Lá não mais se pode operar livremente, em virtude dos múltiplos interesses civis e militares das nações que dominam aquele ambiente.

Encontramos na órbita do nosso planeta, além dos conhecidos satélites de comunicações e sensoriamento, constelações de “Global Positioning System” (GPS), equipamentos de pesquisa e observação da Terra e do espaço profundo, estações espaciais e de logística, potentes aparatos de projeção de energia, além de muito detrito espacial.

O domínio da utilização do espaço é uma extensão natural da estratégia de um país. Vitórias serão obtidas por quem melhor integrar, sincronizar e aproveitar a sinergia entre os diversos domínios da guerra que possibilitem criar efeitos decisivos para o combate. A obtenção de dados coletados do espaço contribui exponencialmente, pois permite gerenciar informações de forma rápida e eficiente, e em tempo real.

Por isso, é licito concluir: quem não se inclui no seleto grupo das potências mundiais que dominam o uso do espaço cósmico não pode assegurar, de forma efetiva, a sua soberania territorial, tampouco ter a certeza de continuar recebendo as informações provenientes dos artefatos espaciais de que necessita, em qualquer momento ou situação.

É por isso que as nações mais desenvolvidas investem fortemente em programas espaciais, de modo a estabelecer seu domínio do espaço sobrejacente, no sentido de obter e manter a capacidade de observar e entender o que acontece em seu espaço superior; desenvolver um sistema de Comunicação e Controle para assegurar o comandamento das ações, proteger seus ativos e garantir  o uso dual do espaço; produzir meios permanentes que possam ser guiados, não sujeitos a destruição por colisões ou incidentes, com capacidade de interceptar objetos de interesse e; estabelecer estrutura confiável de troca de informações e dados de inteligência, em colaboração com países aliados e parceiros comerciais.

Sem satélites, a obtenção e divulgação de dados de inteligência, bem como as comunicações e ações de Comando e Controle serão mortalmente penalizadas. Isso também é valido para o uso civil, se pensarmos nas operações bancárias, televisão, telefonia, meteorologia e dezenas de outras utilidades.

Em caso de conflito, deter o controle do espaço aéreo e espacial permite antecipar as intenções do adversário e realizar ações defensivas por meio da obtenção de dados de inteligência. Isso é muito importante, e faz a diferença.

Na última década do século XX, a Guerra do Golfo confirmou tais argumentos. O mundo assistiu, cinematograficamente, à militarização do uso do espaço, através do intenso uso dos satélites e a surpreendente capacidade dos americanos em prever o lançamento, traquear e destruir os mísseis “SCUD”.

Rússia e China também têm capacidades assimétricas em relação aos demais países e são os principais adversários dos EUA no campo espacial. Mesmo assim, a Coreia do Norte desafiou a concepção estratégica americana ao lançar um foguete sobre o território da Coréia do Sul.

Nesse contexto, a única forma de evitar tragédias e derrotas neste campo é estar preparado, e assim ter a oportunidade de declarar posição e se manter firme ao redor das mesas de negociações diplomáticas.

Como um país de dimensões continentais, o Brasil deve adotar um senso agudo de urgência em obter a autonomia no espaço. O menor ganho seria deixar de pagar, anualmente, vultosas somas pelo uso de serviços espaciais.

Impõe-se assim um grande desafio, e o Brasil precisa compreender isso, pois o espaço é meramente outra arena muito importante na qual o país deve exercer poderio e assegurar soberania. Negligenciar este fato é um dos maiores enganos de uma nação que pretenda ser desenvolvida, competitiva e, sobretudo, soberana.

Hoje o Brasil não possui nenhuma das capacidades já mencionadas, a não ser os ativos oriundos do antigo programa espacial completo, cujo desenvolvimento ainda é incipiente. Felizmente, por obstinação de alguns poucos, ainda resistem as instalações do Centro de Lançamento de Alcântara e Barreira do Inferno e a industrialização de foguetes, fornecidos até mesmo para a NASA, porém em uma escala muito baixa.

Logicamente, construir um sistema de tal complexidade demanda tempo, investimentos em pesquisas, formação e qualificação de recursos humanos e aplicação significativa de recursos materiais.

Ao comparar a situação brasileira com a da China, Japão, Índia, República da Coreia e outros que começaram seus programas espaciais na mesma época ou depois de nós, constata-se um inquietante atraso de décadas.

Para se ter uma ideia, a República da Coreia emprega cerca de 10 dólares/ano por habitante no seu programa espacial e estão se preparando para dobrar o orçamento, lembrando que o país possuía em 2013 cerca de 50,21 milhões de habitantes.  Mesmo assim, trata-se de 1/10 do que gasta França e Japão.

Sabemos que será impossível, em pouco tempo, atingir o patamar já alcançado por países com a mesma estatura política-estratégica ao Brasil. Há um grande lapso imposto por anos de ausência de prioridade ao programa espacial brasileiro, somado, recentemente, ao atraso, e consequente descontinuidade do programa binacional Brasil-Ucrânia.

Por isso, urge não apenas buscar parcerias, mas principalmente uma nova forma de gerir um programa espacial perene, que seja capaz de novamente colocar o Brasil na importante rota da corrida espacial, e assim trazer conhecimentos, reduzir o tempo de pesquisa e desenvolvimento. No entanto, o sucesso no estabelecimento de um programa desse tipo, primeiramente, passa pelo entendimento do Governo Federal do PORQUÊ e COMO fazer algo tão complexo é importante para nosso futuro.

Um suporte de cunho político-econômico é de suma grandeza. Caso não haja uma legislação específica que permita uma gestão flexível de contratação de pessoal e a aquisição de material de tecnologia no “estado da arte”, bem como um projeto voltado a centralizar as ações, integrando-as aos centros de pesquisas e ao terceiro setor, não teremos um lugar de respeito nesse cenário.

O papel do Estado é o de viabilizador e indutor. Ações isoladas em diversos Ministérios, competindo pelos parcos recursos disponíveis em projetos dispersos, em nada contribuirão para o sucesso dessa empreitada.

É fato que criar essas condições não será fácil, tampouco simples, mas é crucial para o desenvolvimento e segurança do Brasil. Estamos ainda muito longe do que já poderia ter sido realizado. Não por falta de competência técnica, mas por falta de prioridade no orçamento e entraves burocráticos e administrativos.

Como exemplo, citamos a exigência do cumprimento da Lei nº 8.666 em programas de alta tecnologia, onde o sigilo é parte da estratégia e os necessários materiais e recursos humanos são raros, caros e controlados por quem não deseja mais sócios nesse fechado clube, fato agora atenuado pela Lei Nº 13.243, de incentivo à inovação, aprovada em 11 de janeiro de 2016.

Será muito importante ao país reforçar um projeto de desenvolvimento em grande escala, que busque agregar valor aos produtos comercializados, indo além apenas do resultado proveniente das “commodities”, que flutuam em função do mercado. Nesse aspecto, as áreas de defesa, controle e exploração do espaço são muito importantes e rentáveis. Considerando que a Humanidade, infinitamente, irá em busca do ambiente estelar, encontraremos na área espacial um nicho de potencial ilimitado, se começarmos com a necessária prioridade, desde já. Não podemos esquecer que grandes empresas internacionais trabalham em projetos com o objetivo de prover um serviço de internet de banda larga com alcance global. Para isso, seria necessária uma constelação com mais de 700 satélites de órbita baixa, o que projeta um mercado promissor para países que detenham a tecnologia de lançar e construir estes equipamentos. O Brasil não pode ficar à margem desse movimento.

A capacidade de comando e controle e a estrutura resiliente podem ser melhor obtidas pela criação de uma Organização Governamental onde os atores civis e militares operam de forma conjunta e centralizada, fator imperativo para que não haja dispersão de meios, e as ações beneficiem a todos os usuários, de forma rápida, coordenada e, principalmente, econômica.

A Organização a ser criada deve ainda realizar operações de acompanhamento, monitoramento, coleta e análise de dados de interesses nacionais, e também irão prestar-se ao combate de problemas globais de saúde, fome, pobreza, educação, segurança elétrica, mudanças climáticas e redução de riscos de desastres naturais.

Deve ainda desenvolver táticas e técnicas de controle, bem como testar doutrinas e procedimentos para garantir o uso comercial e militar do espaço. Além disso, fornecer suporte às decisões dos Órgãos superiores nos casos de possíveis usos de meios contra seus ativos, bem com trabalhar para evitar colisões, agindo como uma torre de controle espacial.

Para fazer frente a esse enorme quebra-cabeça, a FAB dispôs-se a responder por ele, e no momento, busca o apoio político-econômico na esfera dos Poderes Legislativo e Executivo Federal para criar a ALADA – uma empresa pública, vinculada ao Comando da Aeronáutica, que pretende dar reinício à grande jornada rumo ao Espaço, até hoje incompleta, encetada em 1956, se considerarmos apenas o Moderno Programa Espacial Brasileiro.

A concepção da ALADA propõe uma forma de gestão diferente dos programas até então, estabelecendo os seguintes objetivos e estratégias na sua Lei de criação:

  • incentivar a busca pela tecnologia, centrada na indústria aeroespacial e de controle do espaço, com interesse no desenvolvimento de novos projetos e na sua comercialização, tais como: de atuadores críticos, sensores, sistemas de propulsão, redes de satélites etc.;
  • aumentar substancialmente o valor agregado nos produtos comercializados;
  • prestar um maior suporte às ações existentes;
  • retornar os recursos gerados para financiar projetos de INOVAÇÃO tecnológica no campo aeroespacial e de controle do espaço;
  • diminuir os riscos de negócio das indústrias parceiras desenvolvedoras, baseando-se as tecnologias em produtos de uso dual e em nichos competitivos para a venda de produtos e serviços;
  • centralizar as ações do governo, com foco no cumprimento do Programa Nacional de Atividades Espaciais, e integrá-las aos Institutos de Pesquisa e à indústria, de modo a aproveitar essa sinergia para participar fortemente do mercado;
  • exercer a liderança no desenvolvimento e comercialização dos produtos e serviços gerados, até que o Terceiro Setor esteja habilitado a assumir todo o processo.

A política e as estratégias da ALADA são claras, consistentes, transparentes, simples, previsíveis, responsáveis e aderentes aos compromissos internacionais assinados pelo Brasil.

A ALADA irá pavimentar o futuro da nova era espacial brasileira, não apenas garantindo melhorias absolutas na área da segurança e defesa nacionais, mas também contribuir inexoravelmente para o desenvolvimento do Brasil.

O bom início do empreendimento dependerá da importância e do entendimento a ser dado por parte do governo federal. A garantia do sucesso advém da experiência, da competência e vontade impar da Força Aérea Brasileira em vencer esse desafio.

Se o homem começou a evoluir, de fato, quando olhou para o Céu, nosso País vai realmente garantir o desenvolvimento e efetiva soberania quando olhar para as Estrelas.

TB Antonio Franciscangelis Neto.
Secretário da SEFA