Justa Homenagem a Maria Boa

Texto original enviado por 70-054 Duarte.

(foram acrescentadas outras informações).
 
Durante a segunda guerra mundial, os americanos estabeleceram uma base aeronaval na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte.
O que determinou a escolha do local, não foi o fato de Natal ser uma das mais aprazíveis cidades litorâneas do Brasil, com uma deliciosa e refrescante brisa sempre soprando do mar, mas sim a sua localização estratégica, em uma das extremidades do ponto mais curto de travessia do continente americano para a África.
De Natal até Freetown, a capital de Serra Leoa, são apenas uns 2.900 quilômetros.
Diz a lenda que muitas crianças nascidas naquela época em Natal, foram batizadas com o nome de Usnávi, uma corruptela do “U. S. Navy”, que os natalenses viam escrito nos aviões americanos daquela base.
Não sei se isso foi mesmo verdade, ou se é só folclore, mas não deixa de ser uma história divertida.

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Quando os americanos finalmente conseguiram convencer Getúlio Vargas a deixar de lado a sua simpatia pela Alemanha e entrar na guerra tomando o partido dos Aliados, o Brasil recebeu bastante material bélico, para reforçar as suas defesas.
Foi criada uma tal de Lei de Empréstimo e Arrendamento, ou Lend-Lease, que facilitou bastante essa transferência de equipamento militar.
No meio desse armamento todo, estavam incluídos 30 bombardeiros North American B-25 “Mitchell”, nas versões B, C, D e J, que chegaram no Brasil entre os anos de 1942 e 1944.
Os B-25 eram bombardeiros relativamente pequenos, mas eram muito eficientes e deliciosos de se pilotar, além de serem resistentes e de fácil manutenção, coisa indispensável em um teatro de guerra.
No total, 9.984 deles foram construídos e ajudaram bastante na vitória dos Aliados contra os nazistas e contra os japoneses.
Aliás, foi uma esquadrilha desses B-25 americanos que conseguiu a proeza de decolar sem catapulta de um porta-aviões e fazer o primeiro bombardeio a Tóquio, em uma espécie de resposta ao ataque a Pearl Harbor.
Esse incrível vôo sem volta, cada um dos 16 aviões que participaram da missão pousou ou caiu onde deu lá na Ásia, aconteceu em abril de 1942 e, além de Tóquio, também destruiu alguns alvos em Nagóia.
Só uns poucos daqueles milhares de B-25 que foram produzidos durante a guerra sobreviveram e hoje estão em museus, ou nas mãos de colecionadores particulares. Não é raro vermos algum desses sobreviventes que pertencem a particulares, se apresentando em shows aéreos nos Estados Unidos.
Era comum os aviões de bombardeio serem batizados com o nome de mulheres, com direito ao nome bem grande e um retrato da homenageada pintados no nariz da aeronave.
Um dos casos mais famosos foi o do Memphis Belle, um Boeing B-17F “Flying Fortress” que foi o primeiro bombardeiro pesado a conseguir completar as 25 missões exigidas das tripulações, antes que elas pudessem dar baixa e voltar para casa.
Conhecidos como Fortalezas Voadoras, esses quadrimotores fizeram um estrago danado na parte nazista da Europa.
O Memphis Belle foi praticamente destruído na última missão, mas mesmo assim conseguiu pousar e, depois de restaurado, foi para um museu dos Estados Unidos, aonde se encontra até hoje.
A senhorita de Memphis que foi a musa desse B-17, se chamava Margaret Polk e era a namorada do então Capitão Robert Knight Morgan, o comandante do avião.
Um outro caso clássico é do Enola Gay, o Boeing B-29 “Superfortress” que jogou a bomba atômica em cima de Hiroshima.
Enola Gay Tibbets era o nome da mãe do comandante da aeronave e também comandante do esquadrão aéreo encarregado do lançamento de todas as bombas nucleares que foram e que seriam produzidas pelos americanos, o Coronel Paul Tibbets.
E já que americano pode, brasileiro também pode e, por conta disso, alguns dos bombardeiros da nossa força aérea também tiveram o nome de suas musas pintados na fuselagem.
O caso mais pitoresco foi o da Maria Boa, que foi homenageada por um daqueles B-25 que vieram a reboque da entrada do Brasil na guerra do lado dos americanos. Maria Boa era a dona de um lupanar em Natal onde, além das raparigas, os clientes podiam saborear uma cerveja gelada servida em mesas ao ar livre. Como boa parte dos tenentes, pelo menos uma vez, foi até lá para conhecer e saborear uma cerveja, com justa homenagem lembraram-se da Maria Boa.
Tratava-se de um North American B-25J “Mitchell”, que na Força Aérea Brasileira recebeu a matrícula FAB 5071.
Quem custou a acreditar neste fato foi a própria Maria. Até que alguns tenentes decidiram levá-la até à linha de estacionamento dos B-25 logo após o jantar para não despertar a atenção dos curiosos. Ela constatou o fato. As lágrimas verteram de seus olhos quando viu à sua frente, pintada ao lado do número 5071, a inscrição “Maria Boa”.

Na verdade Maria Boa era só um apelido, o seu nome de batismo era Maria Oliveira Barros.Nascida em Campina Grande, na Paraíba, ela era a dona do mais famoso e mais agitado cabaré da cidade de Natal, naquela época da base aeronaval dos americanos e, depois da guerra, da base aérea da FAB.
Não há como negar que ela foi uma das muitas heroínas da época do chamado esforço de guerra…

Será que a menina, então com pouco mais de vinte anos, que deixava Campina Grande, poderia imaginar que a Casa de Maria Boa faria fama no Brasil e no mundo e, mais que simples cabaré, viraria referência turística da capital potiguar?
Maria Boa chegou a Natal junto com os americanos e a Segunda Guerra. Sua casa, que funcionava à Rua Padre Pinto, 816 – Cidade Alta, se tornou um referencial.  Funcionou por aproximadamente meio século.
Maria já era quase uma septuagenária quando caminhava diariamente ao amanhecer pela Praia do Meio, onde morava, com uma antiga amiga. Não se sabe se nessa época ainda aparecia para gerir os negócios. Poucos tiveram a oportunidade de pousar olhos sobre sua lendária figura.
Uma história foi contada na edição do Diário de Natal, que trazia a notícia da morte de Maria. O fato ocorreu em um churrasco em família, num ambiente bem tranqüilo: “Numa cadeira ao lado, sentou uma senhora usando vestido azul e sandálias pretas. (…) Seus traços físicos ainda guardavam sinais de uma mulher que já fora muito bonita, de belo corpo. Conversei uma hora com a mulher ao lado. Ao final do papo, ela perguntou meu nome. Respondi a senhora e, por educação, fiz a mesma pergunta. Com um sorriso, ela me respondeu: “Me chamo Maria de Oliveira Barros”. (…) Alguns minutos após, minha avó se aproximou, comentei com ela: “Que mulher distinta e educada, ela parece uma lady do tipo inglesa”. Minha avó disse: “Você estava conversando com Maria Boa”.
Outra história, na cobertura do enterro, foi registrada: “Morreu ontem, por volta de 1 hora da manhã, vítima de acidente vascular cerebral – AVC (trombose), na Casa de Saúde São Lucas, Maria Oliveira Barros, mais conhecida como Maria Boa, 77 anos.  Ela fez história no Rio Grande do Norte com seu bordel.  Com o sepultamento de Maria Boa, desaparece também uma figura lendária da história da cidade, que da badalação da noite envolveu-se num véu de recato e discrição, usufruindo o que amealhou com décadas de trabalho em extremo convívio familiar.”
Quem não viveu a Natal dos anos sessenta, quando o sexo era reprimido “entre as moças de família”, não pode avaliar o que foi essa “instituição” para jovens iniciantes, ou para o relax de vetustas figuras do Judiciário, Legislativo e Executivo, empresários, militares, enfim cidadãos de todos os tipos, de uma cidade com menos de 200 mil habitantes .
Junto com Maria, morreu todo o romantismo de uma época.