Quase Crimes em BQ
Eu só poderia retornar a um evento em BQ após me penitenciar de meus quase pecados contra a turma, ou seja, pecados pensados (se bem que, segundo me lembro dos tempos de catecismo, pecado por pensamento também é pecado, o que só dificultava manter a pureza do espírito, principalmente ao sair da igreja e dar de cara com uma garota de mini saia).
Quando fomos para a EPCAR, considerando nossas idades na época, não devo errar muito ao imaginar que a maioria de nós via o mundo como uma imensa floresta habitada por predadores (nós) e presas (as mulheres), sendo que detalhes como o equilíbrio necessário entre o número de indivíduos numa e noutra classe eram questões teóricas de Geociências (disciplina, aliás, ministrada para muitos de nós por uma presa apetitosa), de modo que a ideia dominante era: quanto mais depredássemos os predadores, melhor.
Infelizmente, das noites de sexta-feira às de domingo, quando legiões de predadores vorazes tomavam a cidade de BQ, esbarrávamos com o lado prático do problema, inclusive o desagradável fato de certos colegas depredarem mais do que nós.
Ilustrando com um exemplo: em uma noite de sábado, estava no Olimpic ou no Bqnense, num dois prá lá, dois prá cá cheio de más intenções, quando a suposta presa que bailava comigo me sai com a seguinte pergunta:
– Você conhece o Estevam?
Em tais situações, a execução sumária não é considerada crime, mas mantive o sangue-frio e informei à graciosa gazela que o Moraguinho já havia passado desta para a melhor, oferecendo-me, é claro, para levá-la a conhecer sua eterna morada no cemitério da Boa Morte, desde que nos encontrássemos às 20h naquela erma rua de mesmo nome, e ela fosse, por favor, de vestido largo.
Se eu fiquei chateado com o ocorrido? Mentiria descaradamente se dissesse que não. O sujeito tem de cumprir todo aquele ritual, dançando com a moça, quase sem prestar atenção à música, investe em roupas, se aprimora em dança de um jeito ou de outro, para ouvir aquele tipo de pergunta. É demais.
Assim, confesso, empreguei um tempo tentando estabelecer um plano que mantivesse o galã longe da cidade durante os licenciamentos. Afinal, porque temos nós, os normais, de executar o ritual completo do acasalamento, sem saber em que irá dar, quando a certos indivíduos basta chegar ao recinto em questão, com um ar perdido, e pronto!, estão feitos.
Mas, como em comum com o Napoleão só tenho algumas manias, meu plano progrediu muito menos que minha amizade com o Moranguinho, gente boa pra caramba.
Algum tempo depois, presenciei outra manifestação de descontentamento semelhante (essa coletiva).
Era um sete de setembro , e estávamos em forma havia muito tempo. Deram-nos o chamado “à vontade relativa em forma”. Aí surgem, três ou quatro corças saltitantes, próximas à sexta esquadrilha, e uma delas cumprimenta com uma vozinha deliciosa:
– Wa-gui-ner…..
A esquadrilha em peso se revoltou: ahhhhhh,Wagner…
E o impertinente e desaforado colega ainda concluiu com um “Dessscullllpem a minha beleeeza se destacar tannnnto”, correndo o risco de algumas baionetas acidentalmente atingirem-no em cheio, já que, logo a seguir, vieram os comandos de ”ombro, armas” e “apresentar, armas”, ambos perigosíssimos para um elemento folgado no meio de uns cento e tantos insatisfeitos.
No entanto, só alguém sofrendo de suas faculdades mentais iria se aborrecer com o Wagner, e, assim mesmo, com dificuldades. De modo que, daquelas confusões todas ficou a certeza de encontrarmos os dois casanovas no próximo BQ45, vivinhos, cheios de sorrisos e com proles herdeiras de suas simpatias.
Agora, isso não justifica, de modo algum, o fato de, ainda hoje, nós termos de dar de cara no facebook com a foto de certo piloto sentado em uma futurística cabine de avião, sorrisinho no rosto, óculos escuros cheios de estilo, com um ar tranqüilo de James Bond dois segundos antes de o pau comer. Só falta o aeronauta top model adicionar um arquivo de áudio:
– Nabe. Meu nome é Watanabe!
Arrego!
(publicado no e-Groups em 11-02-2015)