As Atividades Secretas
Até os anos 1970, havia no mundo duas atividades que podiam ser classificadas como complexas. A primeira, chamada guerra fria, envolvia aviões voando 23 horas por dia e armados com bombas de hidrogênio, submarinos com ogivas nucleares, códigos secretos, espiões e por aí vai; a segunda, ainda mais complicada que a anterior, consistia na compra e leitura de revistinhas de sacanagem.
Pude entender perfeitamente como se sentiram Copérnico, Darwin e outros, ao contar para meu filho que houve uma época em que não havia uma única foto de mulher pelada pendurada em qualquer banca de jornal em cidade alguma do país, e ter de sustentar aquele olhar de descrédito. Mas nós sabemos o que foi aquela época, e o quanto o James Bond teria de aqui aprender.
O primeiro passo na compra de uma revistinha era ter um amigo conhecido do jornaleiro, porque ninguém se chegava a uma banca de jornal e perguntava impunemente se ali se vendiam revistinhas de sacanagem. Se o fizesse, o jornaleiro negaria, um freguês reclamaria e, pior, sua mãe ficaria sabendo. De modo que, o certo era ir com um amigo para o seu primeiro contato. Tudo correndo bem, você partiria para sua primeira compra solo.
Manual de instruções:
- Verifique se seu equipamento está em ordem: maleta escolar (para esconder a revistinha) contendo um livro didático.
- Observe o alvo (banca de jornal escolhida) com cuidado e aguarde o momento em que o jornaleiro estiver sozinho. Enquanto isso não acontece, use seu livro didático (Ary Quintella, Domingos Paschoal Cegalla, etc) para simular uma leitura de última hora antes de uma prova difícil. Mantenha, no entanto, o alvo sob constante vigilância.
- Não havendo outra pessoa na banca além do jornaleiro, dirija-se tranquila e naturalmente para o alvo, todavia esquadrinhando atentamente seu entorno. Caso outra pessoa aproxime-se de seu alvo, arremeta imediatamente e volte a estudar aquele ponto que você estava em dúvida para sua hipotética prova, ou, se isso não for mais possível, termine sua abordagem ao alvo, mantenha a calma e leia a primeira página dos jornais até a o freguês deixar a banca.
- Com a área livre, estabeleça contato com o jornaleiro segundo as regras da OICR, Organização Internacional para Compra de Revistinhas, fornecendo o código do vendedor (nome precedido do prefixo “Seu”) e a identificação do objetivo específico, “revistinha”.
- O objetivo específico virá em envelope (em geral) branco, com seu título (por exemplo,” A prima da minha esposa”, “A vingança do PE”, etc) sobrescrito. Escolha o seu e abandone imediatamente a área.
Se a compra fosse bem sucedida, viria a parte mais difícil da missão: ler a revistinha em condições adequadas.
Em geral, tal leitura exigia ambiente silencioso e tranquilo, proporcionando a concentração necessária ao estudioso. Para tanto, o local ideal seria um mosteiro tibetano, dificilmente acessível a um garoto brasileiro nos anos 60, sendo, assim substituído pelo banheiro de sua casa, se este não estivesse já ocupado.
O cultor das revistinhas estava sempre sujeito a delações (“vou contar para sua mãe”) ou a interrogatórios terríveis (“o que é isso que eu encontrei no seu armário?”). Se fosse aluno da EPCAR, onde a privacidade era um conceito abstrato, forçosamente teria de emprestar sua revistinha a um colega, que emprestaria a outro colega, e, nessa sucessão, corria o risco de ficar sem seu exemplar ou reencontrá-lo muito tempo depois em estado lamentável.
Lá pelo segundo ano, soube que na banca de jornal do Piabanha, restaurante em que paravam os ônibus da Útil indo para o Rio, vendiam-se revistinhas. Foi ali que adquiri um exemplar de “A monja pecaminosa”, emocionante história de uma freira que viajava sem a roupa de baixo. O fato foi descoberto por um perspicaz barqueiro, sendo suficiente para dar início a uma sequência das mais complicadas manobras sexuais, levando o intrépido navegador a incontáveis orgasmos, acompanhado de um número ainda maior por parte da freirinha, que sequer retirou seu capuz, detalhe erótico da mais alta importância. O interessante é que toda a sequência começou quando o vento revelou o desprendimento da monja, acompanhado do seguinte comentário do marítimo:
– Ah, então não usas calcinha…
Alguém observou que comentários como “me rasga” ou “vem, meu garanhão”, feitos pela parceira durante o ato sexual, revelam a influência marcante de Carlos Zéfiro em sua formação erótica. Em tal situação, o parceiro tem duas opções: discutir as qualidades artísticas do Zéfiro ou preparar-se para um desempenho monumental.
(publicado no e-Groups em 11-12-2014)