Diário da EPCAR 1970 – 2ª Parte

Psicologia

Havia no currículo do primeiro ano uma disciplina cujo objetivo era uma introdução a essa pantanosa ciência. Embora boa parte dos alunos não tivesse sequer maturidade para tal estudo (eu, com certeza, não tinha), alguns possuíam imaginação de sobra para enfrentá-lo, compensando a aridez dos assuntos.

Numa das aulas, o professor abordou um fenômeno psicológico: o membro fantasma. Trata-se do estranho fato de algumas pessoas com um membro amputado sentirem dor, coceiras ou dormências no membro que já não faz parte de seu corpo.

Ao final da aula, um dos colegas da turma F mostrou-nos sua personalíssima e pouco acadêmica interpretação do fenômeno: desenhara em uma folha de papel um parrudo pênis, o membro, trajando uma capa e máscara de super-herói.  Surgia assim a piroc… o Membro Fantasma, poderoso destruidor de hímens e pregas desprevenidas, incansável guardião das leis da sacanagem, sempre atacando com o mais terrível grupo de assalto já treinado no planeta: os espermatozoides invisíveis.

Algumas aulas depois, quando o professor mencionou o tópico do dia, sensações cutâneas, o colega iniciou um ih-ih-ih imediatamente acompanhado pelo restante da turma.

Se o professor não conseguiu nos despertar o interesse pela Psicologia, o Djair, em poucos dias, conduziu-nos com indiscutível competência ao fascinante mundo dos pensamentos maliciosos e desejos obscuros.

Química

O professor Ayres Pinto dificilmente alcançava a marca do metro e meio de altura, mas nos brindava sempre com uma desmesurada autoridade. No início de cada aula, tinha o requinte de postar-se no umbral da sala, aguardando que todos (e, neste caso, todos são todos, não uma figura de linguagem) nós atendêssemos à ordem de sentido dada pelo chefe de turma.  Parece mentira, mas chegava a verificar a existência de um aluno ainda sentado em sua cadeira, apontando-o com um dedo, quando encontrava algum. Enfim, era um formidável mala sem alça.

Contudo, havia na turma F um aluno que não pensava assim. Como ele se sentava na primeira fila de carteiras, estava sempre ajudando o famigerado professor, inclusive fazendo interessantíssimas perguntas, atitude exclusivamente sua.

Certo dia, ao apagar o quadro negro, o incomparável mestre involuntariamente lançou o apagador a uma distância formidável, fazendo com que nosso colega disparasse pela sala a fim de resgatar a valiosa peça. Foi um verdadeiro momento olímpico, desses que a televisão moderna tem de recorrer à repetição em câmara lenta para que a visão do espectador normal possa registrar o incrível feito. O lançamento do professor e a corrida do colega devem ainda figurar nos anais esportivos da Escola.

Essa excessiva cortesia de nosso colega para com o professor despertou a irritação de outro colega de sala, que decidiu ensinar ao primeiro que mesmo os agrados têm limite. Assim, durante uma tranqüila aula, em um momento de absoluto silêncio em sala, ouvimos a explosão indignada do Celestino: “Ah, Bezerra, para com isso!”.  Se todos nos assustamos com a voz celestial, o coitado do Bezerra, talvez entretido com a resolução de um apaixonante problema de estequiometria, assustou-se ainda mais, não sendo nem mesmo capaz de manifestar-se.

Ayres Pinto dirigiu a seu dileto aluno um olhar expressivo e ameaçador. Alguns minutos depois, Celestino tornou a manifestar-se: “Quer parar, Bezerra?” E a candura desse apelo contagiou-nos. O professor fez sua primeira e última ameaça ao atônito Bezerra: “Senhor Bezerra, vamos ficar quietos!” No entanto, pouco tempo se passou e o Celestino não só tornou a esbravejar como fechou seu caderno, lamentando-se: “Não dá! O Bezerra não me deixa estudar.

A aula terminou com o Bezerra devidamente canetado pelo professor, e, quando atônito se dirigiu ao Celestino para explicações, ouviu dele antes mesmo de falar: “Isso é para você aprender a deixar de ser babão, Bezerra!

(publicado no e-Groups em 27-05-2014)