CONSTITUIÇÃO E INTERVENÇÃO
por Prof. TARCIZIO R. BARBOSA
A pergunta do meu sobrinho e afilhado foi direta: “Tio, amanhã vou ter aula sobre GLO, o que é isso?”
Respondi que isso é parte do artigo 142 da nossa Constituição que define como atribuição das Forças Armadas a garantia da lei e da ordem (GLO na abreviação).
Mas, as dúvidas do novel aluno do CPOR não pararam por aí e eu resolvi aprofundar o tema. Vamos lá!
O título V da nossa lei maior trata explicitamente da “DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS”, coisa que o capítulo primeiro desse título começa definindo as regras para a decretação do “ESTADO DE DEFESA” (seção I) e do “ESTADO DE SÍTIO” (seção II), abordando ainda, na seção III, as “DISPOSIÇÕES GERAIS” reguladoras dessas duas medidas de exceção…Leis Marciais, por definição. Essas estipulações constitucionais abrangem os artigos 136 a 141 da Carta Magna.
Na sequência, o art. 142, no capítulo II, trata explicitamente das “FORÇAS ARMADAS”, incumbindo-as, entre outros misteres de garantir a lei e a ordem, a tal GLO.
Aí começa a desinformação, olhem só:
1 – O texto constitucional diz o seguinte: “art. 142 – As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica (nessa ordem, da mais antiga, a Marinha, até a mais moderna, a Aeronáutica), são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes (Executivo, Legislativo ou Judiciário) da lei e da ordem.” (transcrevi)
2 – O parágrafo primeiro desse artigo contempla que “Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas”…mas, como soe acontecer por aqui, nenhuma lei complementar foi promulgada versando sobre como se daria a atuação dessas Forças Armadas, caso convocadas para a garantia da Lei e da ordem. E aí começa a improvisação característica desta “Terra Brasilis”: determina-se uma intervenção militar na área de segurança do Rio de Janeiro, sem que o Exército saiba o que pode ou o que não pode fazer.
3 – Repare-se que o capítulo III desse mesmo título constitucional (título V) ao tratar da “SEGURANÇA PÚBLICA” estabelece ser ela dever do Estado (art. 144) e explicita nos incisos de I a V do caput QUAIS SÃO OS ÓRGÃOS ENCARREGADOS DESSE MISTER, a saber:
Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
Assim, de plano, não há disposição Constitucional que preveja o emprego das Forças Armadas em missões de segurança pública e, muito menos se aplica a figura da dita INTERVENÇÃO NA SEGURANÇA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO OU DE QUALQUER OUTRO ENTE FEDERATIVO…salvo se houver Lei Marcial que a ampare (Estado de defesa e/ou Estado de sítio). Mas essas medidas necessárias para convalidar a mobilização das Forças Armadas e dar-lhes poder real de atuar, nem passa pela cabeça dos políticos mandantes. Ou seja, lançam o Exército descalço em terreno de pedras pontiagudas ou, melhor dizendo, usam as garras da Força para tirar as castanhas do fogo, mas sem se comprometerem.
Mas, como fazer isso sem uma lei clara que ampare o soldado, o graduado ou o oficial que, em incursão em uma favela íngreme – agora o termo politicamente correto parece ser comunidade – acabe matando um vagabundo portando um fuzil de última geração ou, acarretando a morte colateral de um civil (“colateral damage”) tão comum em ações de guerra? E isso é guerra, quer queiramos ou não!
As Forças Armadas de qualquer nação que se preze não são treinadas para prender, são treinadas para neutralizar (matar) o inimigo…ou ele se rende e depõe as armas ou é abatido, simples assim. Ah bom, mas o que faz a Polícia do Exército? Bem, esta entra no cenário de guerra depois de encerrado o combate, para manter a ordem e coibir os excessos após, repito mais uma vez, após o inimigo ter sido aniquilado ou deposto as armas.
Causa-me espécie a fala de alguns Generais sobre a intervenção bem sucedida dos nossos soldados na missão do Haiti, onde enfrentaram, com sucesso, e neutralizaram uma situação de conflagração e caos. Mas, é oportuno lembrar que lá o nosso Exército estava submetido as leis de intervenção da ONU e não aos políticos, nossos ou do Haiti. Já aqui…
Já externei em manifestação anterior o dó que sinto pelo General interventor, obrigado a obedecer ao mando político, por dever de ofício, e sem dispor do amparo de lei eficaz para fazê-lo. Não havendo a tal lei complementar reguladora desse tipo de intervenção, prevista na nossa Constituição já trintona, mas ainda em seus dentes de leite, só nos resta a certeza de que estão fazendo mau uso dos nossos granadeiros.
Uma última consideração se faz oportuna: Por que diabos a intervenção se restringiu ao Rio de Janeiro e somente à área de segurança, se todo o país vive na insegurança e na desesperança com a classe política? E, por que diabos não se instaurou o estado de defesa ou o de sítio?
Deixo essas perguntas para as futuras gerações, pois a minha já quebrou a ordem estabelecida em 1964 e não nos deu o futuro – agora presente – que almejávamos.
Sucesso, futuro Oficial do Exército Brasileiro e meus respeitos aos seus superiores.
São Paulo, 16 de março de 2018
TARCIZIO R. BARBOSA -2ºten R/2 – INF.